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segunda-feira, 2 de maio de 2011

A TERCEIRA LEI







O delegado do 26º Departamento de Polícia de São Miguel Arcanjo, doutor Cesar Alvarenga,  encara o homem a sua frente; o rosto apático e pálido como uma vela derretida suportando com esforço as armações grossas dos óculos sobre o nariz adunco e rechonchudo.

O homem é um respeitado cidadão, frequentador dominical da mesma igreja do delegado que escuta sua confissão. Dentista bem sucedido, bom marido, excelente pai...

Mas essa noite o dentista liberou todo o seu ódio, como que liberando uma besta primordial que habita no interior mais sombrio de cada homem. Há uma hora o dentista entrou arrastando um homem pelos corredores recém encerados da delegacia deixando um rastro de sangue para trás.

O delegado o observa: as unhas ainda sujas pelo sangue coagulado, a camisa branca esgarçada pende parcialmente para fora das calças de sarja cuidadosamente engomadas. Os olhinhos comprimidos pelas largas bochechas perderam o brilho singelo e simpático de outrora.

Um metro e noventa centímetros sobre sapatos finos cobertos por lama e esterco. Cento e vinte quilos de ira destrutiva.

O homem trazido por ele tinha quase a metade de seu porte, um pobre diabo, uma sombra.

“Eu paguei quinze mil para os policiais me trazerem ele.” Disse o dentista em transe.

“Ele”, era o zelador de uma escola particular, trabalhava a troco de um salário mínimo e um quartinho para morar.

Os quinze mil pagos aos policiais, (esses teriam trazido o zelador por um terço desse valor) cujos nomes o dentista se negou veementemente revelar, estava sendo economizado para a faculdade de seu filho.

A obrigação do zelador era manter os pisos limpos.

O dentista disse que quando o zelador acordou sua primeira reação foi sorrir.

O zelador deveria limpar os banheiros após os intervalos das aulas.

Mas a expressão dele logo mudou ao ver-se nu amarrado numa cadeira em um barracão escuro, as pernas de forma a ficarem abertas, os testículos flácidos espalhados pelo acento, os olhos brilhantes e apavorados dele iluminavam o celeiro.

Os banheiros da escola deveriam ser limpos antes da entrada dos alunos e após a saída.

A faca afiada passou pela glande do pênis do zelador cortando-a ao meio com facilidade. “Senhor me ajude!” Gritou apavorado chacoalhando-se na cadeira. Mas suas preces foram ignoradas, e sem mover um músculo se quer de sua face, o dentista decepou o pênis cortando-o lentamente ao som dos gritos e das lamurias do zelador que implorava a piedade de Deus e depois a do dentista.

No quartinho do zelador não havia TV, nem rádio e nem revistas. Regras da igreja a qual pertencia desde criança e a qual seu pai fora pastor.

Ofegante, ele observa seu pênis mutilado na mão do dentista que abruptamente precipita-se sobre o zelador enfiando o membro em sua boca fazendo-o engolir sob protestos de ânsias de vomito e lágrimas convulsivas, o pênis para em sua garganta recusando-se a ser engolido por seu próprio dono.

A única coisa que há no quartinho do zelador é uma bíblia gasta e cheia de orelhas que ele lê todas as noites até seus olhos não aguentarem mais.

O dentista vai até um fogão a lenha aceso no fundo do barracão e pega uma barra de ferro fumegante. O sangue jorra do ferimento aberto onde a pouco havia seu pau. Esgotado, o zelador vê mais uma vez a figura do homenzarrão se avolumando para cima dele, o ferro em brasa ilumina parcialmente de vermelho o rosto do dentista como se o próprio Satã viesse buscá-lo.

Dentro da bíblia do zelador há uma foto de sua mãe.

É trabalho do zelador garantir que todas as portas estejam trancadas após as aulas.

“Perdoe-me!” Implora ele sofrendo.

O dentista ignora as suplicas do zelador e abruptamente enfia o ferro em brasa no ferimento aberto para cauterizar a ferida, os gritos abafam o chiado do ferro quente sobre a pele. O dentista não quer que ele morra por hemorragia.

O cheiro da carne queimada lembra o dentista que ele precisa comprar carne para o churrasco do aniversário do filho.

A dor é tamanha que o zelador entra em choque. Ele desmaia.

As bebidas já foram compradas, cerveja para os adultos, refrigerante para as crianças, será uma grande festa.

O dentista chuta a cadeira derrubando o zelador de cara no chão. Com um pincel-atômico vermelho ele identifica a medula espinhal da terceira a quinta vértebra cervical.

É responsabilidade do zelador controlar todo o material de limpeza.

O dentista olha o barracão de seu sitio e pensa que precisa arrumá-lo ainda essa semana para a festa.

O zelador acorda pedindo a Deus que seja só um pesadelo. Não é!

Ele percebe nos olhos do dentista a total falta de sentimentos então para de implorar, ele conhece aquele olhar, pois já o vira nos olhos de seu pai quando matou a esposa adultera. O zelador deita sua cabeça no chão frio e silencia.

É responsabilidade do zelador desentupir ralos e vasos sanitários.

O dentista pega uma pá e ergue acima de sua cabeça.

O zelador deve eliminar todos os vazamentos.

Num só golpe a pá acerta seu alvo cortando a coluna vertebral, ele escuta um gemido curto e dolorido depois o silêncio.

O delegado observa o rosto cadavérico do dentista e enxuga a testa com um lenço. “Vá para casa!” Disse o delegado “Sua esposa deve estar preocupada, deixa que nós limpamos essa bagunça.”

Como uma criança liberada do castigo o dentista levanta seu corpanzil e sai porta afora.

O delegado irá dizer que encontraram o zelador numa estrada qualquer e arquivará o caso. Ninguém o questionará. Ninguém se importa.

Já o zelador não fará mais nenhuma de suas funções, a lesão na sua coluna o deixou tetraplégico e agora passa seus longos dias abandonado numa cama alimentado por sondas e usando fraldas geriátricas.

O delegado abre uma pasta sobre a mesa e vê a foto do zelador seguida de seus dados pessoais. Em destaque a palavra: FORAGIDO. Seu crime: o zelador deixou de fazer suas simples tarefas cotidianas na escola onde trabalhava e também onde estudava o filho de dentista que iria fazer oito anos na semana que vem. O zelador sequestrou, violentou e esquartejou o filho do dentista.



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