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terça-feira, 3 de maio de 2011

Retorno a Sonhar



A lua pálida se esforçava para vencer o céu nublado daquela noite, e mesmo assim, sua luz iluminava fracamente o quarto de um garoto que dormia confortavelmente na segurança de seu lar. Mas havia algo que mudaria suas noites de sono, no entanto, isso não era novidade para ele, ele apenas não se lembrava.

- Daniel... Acorde Daniel... – Lentamente os olhos do jovem Daniel foram se abrindo sem entender porque o despertava. Ele tentava por em ordem seus pensamentos e focar com olhos embaçados aquele que o acordava. E quando conseguiu, surpreendeu-se.

Lino?! – Disse ele espantado, mas de alguma forma aquilo também não era novidade.

Olá meu amigo, há quanto tempo... – Disse sorridente o esguio e azulado coelho de pelúcia que Daniel ganhara há muitos anos atrás e que há muito estava desaparecido.

- Não, não, não, não... – Começou a repetir convulsivamente Daniel virando-se para o outro lado e apertando os olhos achando que assim ele desapareceria, mas quando abriu um dos olhos para ver se o coelho havia desaparecido, esse ainda estava ali com um enorme sorriso no rosto azul.

- Nós estamos com saudades meu amigo, você nos faz muita falta. Amanda me enviou, e com muito esforço consegui chegar até você, não foi fácil escapar do alto do guarda-roupa dos seus pais. Eles me trancaram numa caixa sabia?! – Disse o coelho indignado.

- Isso é só um sonho, não pode ser verdade. Mas... eu não sonho! – Disse Daniel para si mesmo.

- Ora, então vamos sonhar meu amigo. – Respondendo assim o coelho Lino saltou por cima da cama e pegou uma lata de tinta e rapidamente começou a pintar a parede para desespero de Daniel, e quando esse chegou até o coelho, viu, pintada na parede, uma porta. – E então, vamos?... – Rapidamente Lino agarrou o pulso de Daniel sem dar tempo de reação e os dois entraram pela porta pintada na parede. O coelho rindo de alegria. Daniel com olhos esbugalhados olhava seu quarto ficar para trás rapidamente aos tropeços.

- Olhe por onde pisa meu amigo, não sabemos onde isso vai dar. – Falou Lino apontando o abismo escuro abaixo.

Eles percorreram por uma escadaria sem fim que subia e descia fazendo voltas como uma estrada sinuosa no meio do nada, pois só o que havia ali eram degraus e mais nada, nem em cima nem em baixo, apenas degraus e o vazio.

Era assim no principio, Daniel sonhava todas as noites. Sonhos incríveis em um lugar onde vivia aventuras que só poderiam ser vividas lá, com amigos que ele só encontrava lá. Ele já não se lembrava mais daquele tempo, um tempo feliz que havia sido tirado dele por seus pais, não que eles fossem maus, pelo contrario, seus pais o amava muito. Eles só não entendiam.

Daniel começou sonhar acordado, não prestava mais atenção em nada e passava o tempo todo em seu quarto com seu coelho de pelúcia. Então o levaram ao medico, exames foram feitos, injeções, cápsulas vermelhos e azuis, pequenos comprimidos rosados em forma de discos antes de dormir. Sonos pesados, sem sonhos. Ele nunca mais voltara a sonhar, e acabou esquecendo...

O coelho corria rápido, Daniel estava ofegante e não conseguia falar ziguezagueando pelos infinitos degraus, até que de repente o coelho saltou puxando junto com ele Daniel e caíram numa escuridão profunda, até que tudo ficou azul, era o céu, num azul tão intenso que chegava a doer os olhos. Musica, uma fanfarra tocando ao longe, e num imenso campo de grama fresca e verdejante eles caíram.

Daniel observava tudo com espanto, seu coração batendo forte, ele conhecia aquele lugar, seu coração apertado, há tanto tempo não ia lá. - “Como era mesmo o nome?”- Pensou Daniel encantado.

-Meu amigo... - Disse o coelho Lino empolgado. – bem-vindo de volta a Sonhar.

-Sonhar!... – Sussurrou Daniel, como alguém que se lembra de algo há muito perdido na memória.

-Vamos, vamos, meu amigo, a festa já começou.

- Que festa?

- Aquela festa. – Apontou Lino para um grande circo que fora armado num vale próximo, de lá vinha a musica e muitos risos também. – Vamos, nós estamos atrasados! – Então os dois saíram correndo pelo campo até chegarem ao circo.

Palhaços, malabaristas, mágicos e guloseimas de todos os tipos e sabores, tudo a vontade, era só se divertir, e foi o que fizeram, e muitos outros vinham cumprimentá-los e se alegraram com a volta de Daniel, pois o conheciam. “Bem vindo a Sonhar” – Dizia a faixa à cima.

Mas então, de repente Daniel ficou parado, estático, seus olhos úmidos contemplaram a beleza daquela jovem que se aproximava num lindo vestido branco de gala com uma espécie de colete vermelho bordado. Sua pele branquinha reluzia a luz do sol, seus longos cabelos louros embalados pelo vento dançavam no ar e um sorriso nos lábios rosados brotou ao ver Daniel.

- Amanda! – Disse Daniel, ele agora se lembrava de tudo, principalmente de Amanda. Os dois foram de encontro e suas mãos se juntaram, e então deram um terno abraço.

- Achei que nunca mais o veria. – Disse Amanda com olhos brilhantes. – Que bom que você voltou.

- Me desculpe, eu nunca abandonaria você, digo..., Sonhar. – Falou Daniel constrangido. – Mas foi mais forte do que eu, tantos remédios, exames, médicos...

- Não fale, não deixe com que suas experiências ruins impeçam você de sonhar. – Disse Amanda assustada levando a mão aos lábios de Daniel, mas já era tarde demais.

Um tremor sacudiu todo o terreno fazendo com que todos se exaltassem, então outro e outro. Eram passos. E surgindo de trás das tendas à figura gigantesca de um velho se ergueu acima de todos; alto, esguio, com um vasto bigode grisalho e olhos austeros. Ao seu lado surgiu também à figura disforme dos pais de Daniel, como caricaturas dos originais, sua mãe em prantos com a cabeça sobre os ombros de seu pai que o olhava com indignação. O gigantesco médico levou a mão manchada até Daniel e o agarrou pelo pé puxando-o em sua direção e então, abrindo sua bocarra, engoliu o garoto de uma só vez.

- NÃO – Gritou Amanda desesperada. – Daniel não desista, não desista de Sonhar...

Daniel passivamente caiu na escuridão. Seu corpo flácido como uma boneca de pano, caia girando lentamente no breu, até que ele mergulhou em águas profundas, mas mesmo assim passivo, seu corpo afundou como uma pedra até chegar ao fundo e ali ele ficou imóvel...

“Não desista de Sonhar!”

Ele ouviu as palavras de Amanda ecoar em sua mente, seus olhos se abriram, ele olhou em volta, e então, tomado por um novo animo Daniel se ergueu e viu que o lago que parecia tão profundo não passava de sua canela, e ele correu, correu desabalado pela escuridão que o envolvia densa, como que coberta por teias de aranhas. Até que um clarão ardeu em seus olhos. Daniel estava agora num árido e plano deserto, ele caminhou, caminhou e caminhou, sem saber aonde ir, até que viu ao longe uma cama de ferro solitária na imensidão amarelada do deserto e chegando até a cama, viu a si próprio dormindo profundamente e sem sonhos.

- É você quem decide Daniel, – Disse a voz amável de Amanda que estava logo atrás dele com o coelho Lino, – ninguém pode impedi-lo de sonhar, ninguém pode levá-lo de Sonhar.

Daniel olhou a si próprio na cama, uma figura apática, manipulável.

“Eu fico em Sonhar”.

Grande alegria causou em seus amigos que o abraçaram e fizeram uma grande festa, e nunca mais ele deixou Sonhar e seus sonhos eram grandiosos.



FIM, OU UM NOVO COMEÇO...



Wagner de Souza







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