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quarta-feira, 11 de maio de 2011

NÃO ME LEMBRO DE DAR ADEUS.

Eu não sei dizer se naquele dia estava sol,
não sei se estava frio ou nublado,
não me lembro nem ao menos que dia era.
Eu tinha doze anos.


Olho para o Bar ao qual passei a maior parte
da minha infância.
Coisas que foram usadas durante anos
estão amontoadas num canto,
pois já não servem mais,
o resto empacotado e colocado dentro de um
caminhão baú.


Não me lembro quem mais estava ali naquele dia
lembro-me apenas do meu pai sentado num degrau
enquanto eu pegava um porrete escrito
"pau de amansar lobo" e começava a
destruir uma gondola da cigarros da
Sousa Cruz.
Era norma da empresa destruir suas gondolas
quando essas não fossem mais ser usadas
já que a empresa não vinha recolhe-las.


Lembro-me muito pouco daquele dia,
ou quase nada pra ser mais exato.
Mas lembro-me de que destruir a gondola era
mais difícil do que eu imaginara.
Cuidado com os olhos, disse meu pai.


Não me lembro de muita coisa daquele dia,
mas lembro-me bem dos anos
em que trabalhei com meu pai em seu Bar.
Lembro-me do cheiro do álcool,
do tamanho da dose e
do som da cachaça caindo no copo americano.
Caía lentamente espalhando a umidade
restante do copo,
os olhos ansiosos do cliente esperando a
dose ser completada,
as mãos tremulas e vacilantes.
A cachaça era bebida de uma só vez
seguida de uma careta e
lábios úmidos apertados.
Mãos firmes.


O freezer cheio de cerveja gelada,
agora
estava desligado e vazio.
Ninguém iria me pedir uma cerveja gelada naquele dia
Ninguém iria me pedir mais uma dose
Ninguém iria me pedir um tira-gosto
Ninguém iria me pedir...

Não me lembro se era de manha
ou a tarde.
Mas lembro-me dos clientes e
seus nomes peculiares:
Preto, e sua fobia de cobras.
Um dos meus preferidos.
Paulo Pelota, pescador do rio Paraíba
comeu o gato de estimação do Bar.
Ele não podia ver um gato...
Severino, um homenzarrão forte como
um touro,
mas bobo feito uma criança.
Tião, cobrador de onibus
nunca deixava eu pagar a passagem
quando estava na roleta.
Onésio e sua CB-400 rasgando as ruas de
paralelepípedo da Vila Batista.
João que teve sua mente destruída pelo alcoolismo.
Tião "Chacoaia", mulherengo de plantão.
Manézinho com seu facão na cintura e montado
em seu cavalo que o leva para casa sozinho
quando estava bêbado demais para guiá-lo.

Lembro-me de todos eles e de muitos outros.
Pessoas com as quais eu cresci.
Eu conhecia todos os bêbados,
vagabundos,
e marginais da redondeza.
Muitos eram apenas trabalhadores
ou alcoólatras que nunca fizeram
mal nenhum a ninguém
a não ser a si próprios.
Muitos morreram,
outros ficaram loucos
ou viraram evangélicos.

Não me lembro de quase nada daquele dia,
não me lembro de me despedir,
lembro apenas de estar de pé na calçada
e ver o Bar, que eu passara toda minha
infância com meu pai,
fechado.

Lembro-me de ver o caminhão baú do
Tuba se afastando com todas as coisas
que deveriam estar dentro do Bar
e junto com elas estava meu
pai.

Wagner R. Souza

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